sábado, 25 de junho de 2011

Quadros

Certos quadros são marcantes quer pela beleza, quer pela realidade. Ainda o são por retratarem uma determinada situação social. Estes quadros permanecem vivos na memória não só como referência gráfica, como também registro de sensações. Não consegui, contudo – reconheço minha limitação no assunto – encontrar um quadro que unisse as três características e que tenha feito refletir por tanto tempo como tenho refletido sobre o qual vou falar. A ideia de escrever o texto tem me perseguido por dias...
A despeito do mau cheiro, da aparência descuidada, da imagem de miséria, o que mais me repugna nos mendigos é a sensação de que não tem alma. Juro. Sinto isso. Aos meus olhos, são pessoas destituídas de esperança e destituídas de fé em Deus. Parece-me que passado, presente e futuro se resumem numa forma maldita de guiar a vida até a morte, e só. Eles representam tudo o que não se quer ser: ser sem estar na condição humana.
Daí a dificuldade de pintar com as palavras o quadro exposto em uma rua de Juiz de Fora. Era um homem de indefinível idade. Patrimônio, nenhum. Pertences, só o quê podia carregar consigo. Naquele momento, quantos sabiam da existência dele? Era final do dia. Creio que quase todos naquela avenida partilhavam do cansaço de um dia duro, da vontade de comer algo e de olhar a pessoa amada sentindo que a vida vale a pena.
Aquele homem também e ele me disse isso sem pronunciar palavra. Sentado naquela calçada, das suas coisas ele tirou um pão, sua ceia, seu alimento, sua sobrevivência. Um pão. Pão dividido em dois. Metade pra si. Metade pro cão que o acompanha. Comeram rapidamente ou pela fome ou pela escassez e depois aquele homem deitou abraçando aquele cão.
Ao que a princípio parecia alguém destituído de tudo, tem um cão. Tem alma, tem afetividade, sente fome, sente cansaço. Talvez creia em Deus. Mas aquele homem se sobressaiu a todos, talvez faça parte de um grupo restrito: daqueles que compartilham apesar das limitações da vida.

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